BLOGGER TEMPLATES AND TWITTER BACKGROUNDS »

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Capítulo 1

 

Ouvindo os sinos do destino, nem sempre encontrará o homem a salvação. Nem sempre o homem que aceita o caminho que lhe foi proposto vive contente. Antes, pelo contrário, a maioria dos homens que segue seu destino sofre profundamente e enfrentam terríveis provações. Por esse mundo não é de outro tipo senão de provação. Às vezes toda a vida cria para o indivíduo uma jornada em direção ao sofrimento e a morte, nos quais reside um mistério que nenhum homem é capaz de entender.

Eu fiquei deitado pensando em tudo que vivi. Especialmente sobre aquilo que Felipe e Sílvia falaram. Ele podia controlar os monstros com o ódio e ela com o amor. Se bem que, com o amor, ela só os parava, enquanto que ele tomava o controle. Parece claro que os infectados não passam de massa de manobra com uma programação básica própria pr quando não estão sendo controlados. Mas os Jumpers, aquelas criaturas mais inteligentes, parecem mesmo estar sendo controladas por alguma coisa ou alguém.
Lembrei de um sonho que tive quando estava isolado. Sobre como eu controlava um infectado e riam de mim. Eles eram meus aduladores. É o que me ocorreu. Isso simplesmente porque eu era protegido do senhor das trevas, que provavelmente era aquele velho.
As coisas que aprendi com essa viagem foram essenciais. Toda essa jornada foi como uma forma de abrir meus olhos para o que eu realmente sou.
O carro que estava ali tinha o teto de couro. Percebi que podia ser aberto, e logo encontrei um mecanismo para isso.
Olhei pra direção pra onde Sílvia foi. Quis ir atrás, mas mudei de idéia.
Reclinei o banco pra trás e olhei pro céu. Será que as nuvens tomavam sua forma de modo aleatório ou tinha um sentido? Tinha uma igual a uma cabra no céu.
Decidi me concentrar na imagem daquela esfera, como fiz no sonho, pra ver o que acontecia, e fiquei profundamente espantado.
Senti uma vibração acompanhada por um som correspondente, mas bem amortecido. Quando olhei pra trás, vi um Jumper parado com as pernas dobradas e a mão no carro.
Fiquei assustado no começo, mas depois notei que ele não iria me atacar. No entanto, não conseguia ficar sem olhar pra ele, tamanho era o meu receio. Visualizei a esfera mentalmente e percebi que não havia nada dentro dela. Estranho, pois o infectado dos meus sonhos possuía como que pessoas dentro de sua esfera.
De alguma maneira que não sei descrever, consegui fazer ele dar um salto para o lado do carro.
Saí abismado e olhei pra ele. Não ficava de pé, mas meio agachado, quando parado. Parecia respirar. O olhar vazio era como o de costume.
Lembrei de quando vi um desses atacar Isabela e senti pavor. Cacete. Todo aquele sentimento. Acho que foi só naquele momento que a ficha caiu de verdade. Eu lembrei de todo o tempo que passamos juntos pra ela fazer aquilo. Era revoltante, embora compreensível, porque a forma como começou também foi insana.
Apesar disso, a lembrança me trouxe raiva, mas não aquela que trás dor e sofrimento. Um tipo de raiva de colocava um sorriso no meu rosto. Algo como poder.
Não era como se a raiva fosse tudo na minha mente. Algo como carinho, ternura, também estava lá, e em igual proporção. Era como um equilíbrio louco dentro de mim entre o mau. Mas naquele momento, eu estava mais pro lado mau, e percebi que isso gerou uma reação no Jumper.
Ele ficou muito mais fácil de controlar. É muito difícil definir a forma como se controla um Jumper, porque nenhuma relação tem com minhas experiências prévias. Mas é como se ele fosse um braço: é possível mover o corpo normalmente enquanto se controla um Jumper, pois ele se comporta como um membro separado.
Tive a impressão, aliás, de que poderia controlar três ao mesmo tempo sentindo aquela raiva.
Finalmente eu consegui uma forma real de me defender. Nunca aprendi a atirar direito. Vai ver não tenho talento mesmo.
Fiz a criatura saltar de um lado para o outro e parecia mesmo que ela fosse parte do meu corpo. Fiz, com certa dificuldade, a criatura andar normalmente. Meio desajeitado, consegui abrir a porta de passageiro, mas fazê-lo sentar foi impossível. Ele agachou no banco e de nenhuma maneira se sentava normalmente. Parei de insistir, principalmente porque a minha risada diante daquela situação me tirou a raiva que me permitia controlá-lo com maior facilidade.
Liguei o carro e me enrolei pra dirigir. Na hora de soltar a embreagem pra acelerar o carro deu um impulso pra frente e morreu. O Jumper meteu a cabeça no para brisa.

- se segura, porra! – falei rindo

Não sei bem o que estava pensando. O Jumper não entendia nada do que eu falava. Acabei conseguindo fazê-lo se segurar na porta com um braço. Por causa disso, a porta emperrou e nunca mais abriu. Na segunda vez, também não consegui dirigir, mas na terceira foi. Consegui passar pra segunda com facilidade, e com o tempo fui pegando o jeito com a direção. Depois de uma hora, parecia tão automático que nenhuma atenção era necessária. Decidi tentar controlar o Jumper, e, tal como com o carro, com o tempo eu consegui controlá-lo com maior facilidade. Aliás, consegui o fazer mostrar o dedo do meio, só de sacanagem.
Parei num acostamento e vi um posto de gasolina cercado por algumas dezenas de infectados.
Tinha uma loja de conveniência ali, então decidi tentar atacar os infectados. Nesse momento, percebi que não só a distância era irrelevante, como eu podia ver com os olhos do infectado. Era quase como ser um Jumper, quando eu fechava os olhos eu controlava, com a diferença de que eu movia meu corpo normalmente e era como se outra área do meu cérebro fosse responsável pelo controle do monstro.
Chegando perto dos infectados, ele deu um berro, ao que eles se aglomeraram ao seu redor. Eu soube que tinha como comandar os infectados, mas não como. Tentei algumas coisas.
Na primeira vez, eles começaram a correr em círculo, e na segunda tentaram escalar no posto.
Com o tempo, acabei controlando os infectados e percebi que era possível tanto controlá-los através do Jumper como por conta própria: estranhamente, era mais fácil controlá-los diretamente, o que tornava praticamente inútil usar o grito do Jumpers. Aliás, Esse Jumper não fazia nada por conta própria: só esperava ordens. Se alguém controlava os outros, porque eles sempre gritam? Não faz sentido, já que controlar diretamente é mais fácil. Minha pergunta ficou sem resposta, o que me incomodou.
Depois percebi que controlá-los era bem difícil e que Felipe estava certo quanto ao número: Quando eu me limitava a controlar apenas alguns, ficavam bem simples e eu podia dar comandos mais inteligentes. Quando controlava todos, no entanto, mal os fazia correr.
Mas com o tempo tudo foi ficando mais fácil, e fui pegando o jeito. Era como fazer exercício físico: com o tempo você ganha mais habilidades e sua capacidade de controle se torna mais eficaz. E foi assim comigo.
Nem precisei matar nenhum infectado. Somente ordenei que fossem embora correndo para o meio da floresta que ficava próxima, e foram.
Quando cheguei perto do posto, me assustei. Um Jumper saltou do terraço e simplesmente atacou o meu, que se esquivou rapidamente. Pensei que devia ter praticado mais, pois o outro era muito mais ágil do que o meu e acabou destruindo seu crânio. Saltou na minha direção e tentei controlá-lo, mas foi inútil. Sua esfera estava repleta de um líquido laranja que parecia englobar muitas pessoas. Sei que falando assim fica absurdo pra que nunca viveu, mas pra mim é bem natural. Não havia como expulsar todas aquelas pessoas da esfera com raiva, então tentei mudar de estratégia. Mesmo sem eu fazer, nada, a criatura parou de se mover quando estava a três metros de mim. Parecia lutar pra se mover, mas sem sucesso. E eu tinha plena consciência de que não era eu a segurá-la. Não estava controlando nenhum infectado naquele momento. Imaginei que fosse Sílvia segurando o Jumper, e isso me trouxe uma tranqüilidade tremenda. E percebi que a esfera estava  como que sendo comprimida por esse sentimento ao que, num dado momento, ela foi furada e o líquido começou a sair.
Difícil de definir o que eu vi. Algumas pessoas, que estavam como que diluídas naquele líquido, pareciam felizes por sair, e outras pareciam muito assustadas. Dois deles estavam raivosos. Não consigo definir o que vi de outra maneira, apesar de saber que se trata de algo totalmente novo que deveria receber até mesmo palavras novas.
Nada do que eu já li se comparava aquilo. Nem nos livros sobre religião. Aliás, pensando bem, muitas religiões falavam de coisas parecidas. Só que lendo e ouvindo falar você nunca entende da forma que entenderia quando vê e vive.
O Jumper vomitou mesmo um líquido alaranjado, embora ele parecesse destituído de significado com colocado pra fora. Só quando eu me concentrava e como que via com outros olhos é que eu podia sentir o conteúdo do líquido, mas fora do corpo das pessoas já haviam se dispersado. Não faço idéia da forma que tomaram e nem de para onde foram. Isso pra mim permaneceu um mistério.
Depois de vomitar, ele simplesmente caiu no chão e não levantou mais.
Olhei para o cadáver por alguns minutos, mas logo peguei o carro e fui até o posto de gasolina para comer alguma coisa.
Quando cheguei na entrada algo me surpreendeu. Havia ali um Jumper sentado. Ele simplesmente estava sentado olhando pro chão. Percebeu minha chegada, mas me ignorou até eu descer do carro e me aproximar.
Quando cheguei perto, ele se virou na minha direção bruscamente, o que me assustou, mas ficou pardo me olhando.

- Você consegue falar? - perguntei
- Sim. – ele respondeu com uma voz perturbadora
- Que faz aí?
- Não tem medo de mim? – perguntou ele virando a cabeça um pouco para a esquerda
- Não tenho. O que você tá fazendo aí sozinho?
- Eu não sei. Sobrevivi de uma grande batalha e não recebi nenhuma ordem. Creio que meu mestre não se deu conta de que eu ainda existo. Quando descobrir me convocará.
- Se você fala, não pode se guiar sozinho?
- Eu já vivi tanto tempo sendo um servo que já nem imagino o que seja me guiar sozinho.
- Não quer redescobrir?
- Não sei.

Concentrei minha mente naquele momento e meu ódio voltou a mim. Eu percebi ali um espírito que havia sido submetido de maneira injusta. Não era correto um espírito viver ajoelhado ao outro assim. O infectado percebeu meu ódio.

- Você também é um mestre de mortos? – Me perguntou com um tom de voz indeciso
- Não tenho interesse em ter escravos. Mas te dou uma escolha. Queira acompanhar e tentarei te ajudar a se guiar sozinho.
- Mas me guiando sozinho esse corpo poderá se desfazer. Era isso que meu mestre me dizia.
- Entendo. Mas você se importa com isso? Em deixar esse cadáver morrer e ter sua liberdade?

O infectado vomitou aquele mesmo líquido, mas sem nenhum espírito, pelo que senti.

- É verdade. Nesse corpo não sinto nada. Nem teria como eu me apegar a ele. Quero liberdade sim, mas leve também meus irmãos. Somos quatro.
- Onde estão seus irmãos?
- Eles ficam escondidos num armário escuro dentro do posto. Não sabem falar, mas entendem quando falam a eles. A consciência deles é muito pouca. Muito frágil. Precisam de alguém para comandá-los ainda mais do que eu.

Eu já não tinha ódio pra usar. Parece que ódio acaba quando você o usa nessas criaturas. Mas, como que por intuição, percebi que havia outra forma de fazê-lo. Foi como uma lembrança. O caminho das chamas. A morte surgindo dentro do ser vivo.
Que palavras eu poderia usar aqui? Meu espírito se tornou mórbido, como que se comunicando com a morte diretamente e sem nenhum ódio. Só um calafrio constante, algo como medo e melancolia. Na verdade, se parece com o que senti nas inúmeras vezes em que pensei que iria morrer. A imagem da morte dentro de mim me ajudou a controlar aqueles mortos.

- Me perdoe, senhor! – disse o infectado se ajoelhando.
- O que você fez? – perguntei curioso
- Pensei mal. Eu pensei em ser livre!
- E o que há de mal nisso?
- O senhor, e apenas o senhor tem o poder de me guiar! Perdoe minha falta de fé!
- Não estou te entendendo. Não tenho a intenção de te dominar. Quero, como eu disse, te mostrar o caminho da liberdade.

O infectado ficou parado me fitando. Ele parecia confuso, embora eu pouco pudesse notar em seu rosto inexpressivo. Os outros infectados saltaram pelos vidros e ficaram diante de mim esperando meu comando. Foi a sensação mórbida que tomou conta de mim que tocou nos infectados. Provavelmente a mesma sensação que sempre acompanha os mestres deles. Aquele velho que identifico como meu irmão. Talvez estejam me confundindo com ele.

- Senhor guie-nos... – o infectado disse num tom resignado

Provavelmente ele reinterpretou o que eu disse sobre liberdade. Imaginou que liberdade seria me seguir ou algo assim. A energia mórbida que me envolvia me permitiu guiá-los com uma naturalidade impressionante. Sem nenhum esforço eu os fiz terem um comportamento idêntico ao de um vivo. Andaram e se sentaram no carro.
Com os quatro lá dentro, o cheiro começou a me incomodar. Cheiro de podre. Mas era cheiro de comida podre. Quando entrei na loja cheia de estilhaços eu percebi que aquele cheiro na verdade era de leite e iogurte estragados. Eles estavam totalmente sujos e contaminados com o cheiro podre.
Peguei duas garrafas de água que sobravam e uma barra de chocolate. Eu não estava com muita fome. Na verdade isso foi tudo o que pude encontrar que ainda parecia intacto. Havia muitos insetos mortos no chão. Achei estranho, pois havia muita comida ali. Mas não perdi muito tempo divagando.
O sentimento mórbido não me abandonou. A morte me acompanhava. Imaginei que eu não viveria por muito tempo. E isso foi bem estranho, já que eu possuía meios eficientes para me defender dos infectados, que eram basicamente todo o perigo do mundo.
Saímos pela estrada, eu e meus novos companheiros infectados. Dirigi em alta velocidade na última marcha. Eventualmente desviava de alguns carros capotados até que cheguei numa pequena cidade. Abri o chocolate pra comer, mas estava fedendo. Passou da validade ou algo assim. Bebi a água. Essa sim estava bem conservada. Pelo menos eu acho.
Decidi sair pela pequena cidade e buscar alimentos. Tudo estava deserto, em primeira avaliação.
Saí com meus companheiros e comecei a gritar. Geralmente eu só berrava, mas às vezes eu perguntava se havia alguém vivo. Foi quando pensei em desistir que ouvi um disparo e um dos infectados caiu baleado. Sua esfera do peito foi atingida. Os outros subiram nos pequenos prédios e gritaram, convocando uma dúzia de infectados.
Fui até o infectado caído. Ele tinha força pra se levantar, mas ficou deitado. Olhava para algum lugar no céu. Ele tinha emoção no rosto.
Quando toquei em sua pele, ele começou a se debater e a esfera de sua cabeça simplesmente desapareceu. Isso causou um agito entre os outros infectados, que se uniram em cima de um prédio e saíram do meu campo de visão. Apesar disso, ainda estavam sob meu controle.

- Mãos pro alto! – gritou uma voz

Levantei minhas mãos e vi um homem sair com uma mulher do meio de um prédio reduzido a escombros. Vieram andando na minha direção. Estavam na direção do sol então era difícil ver detalhes.
Quando o homem chegou perto, os infectados voltaram e ele tentou acertá-los inutilmente. Sob meu comando, desarmaram o atirador e lançaram sua arma longe. O primeiro infectado falou comigo.

- Duvidei das tuas intenções e por isso peço perdão. Não temos a intenção de obter a liberdade sem trabalho, pois ao menos ainda conservamos honra em nossos espíritos. Deixe-nos auxiliá-lo e em troca dê-los liberdade.
- A liberdade de que você precisam não virá de mim, mas da disposição dos vossos espíritos. Eu os declararei livres quando vocês se libertarem. Honrem a vocês mesmos e estarão me honrando.

O atirador olhava aquilo sem entender. A mulher se escondia atrás dele.

- Peraí. Esses infectados trabalham pra você? Como você faz isso? – perguntou o homem
- Não sei. Quem são vocês? – disse eu
- Meu nome é Mathew, e essa é minha esposa Louise.
- Ah! Uma família, então?
- Sim. Como você controla esses infectados?
- Eu os controlo através do fluxo mórbido que existe em volta do meu corpo.
- Que fluxo? Não estou vendo nenhum...
- Não é com os olhos e nem com nenhum outro sentido que você percebe tal fluxo. Ele só pode ser percebido por quem transcendeu a mera percepção dos sentidos. No fundo da sua mente há uma fonte que percebe isso.
- O quê? Porra, você ta querendo me enrolar?
- Não. Mas isso não importa. Vocês sabem de mais sobreviventes?
- Sim. Eu saí para buscar minha esposa. Deixei ela para trás e não suportei ficar na colônia sem ela.
- Colônia?
- Sim. Uma ilha. Há uma cidade inteira de sobreviventes lá. A infecção nunca chegou lá.
- É longe daqui?
- Um pouco. Achei combustível aqui perto que deve bastar.
- Quero ir até essa colônia. Há barcos?
- Sim. Meu barco está numa doca perto da costa. É quatrocentos quilômetros a oeste daqui.
- Então não vamos perder mais tempo. Sabe se há mantimentos por perto?
- Sim, um pequeno mercado onde estivemos escondidos por dois dias depois do ataque.
- Que ataque?
- Eu que te pergunto! Um garoto um gigante e dezenas de jumpers atacaram minha equipe. Foi um massacre! Apenas por sorte que sobrevivi, pois o jumper que me viu foi morto por um dos meus soldados caídos e depois eu desmaiei e fui coberto de escombros. Só que não sofri nenhum ferimento e saí com facilidade.
- Entendo. Mas porque perguntaria a mim?
- Ora, o garoto não era infectado. Eu percebi que não. Ele chegou montando o gigante como se ele fosse um cavalo e eu vi que ele tinha expressões humanas. Ele controlava os jumpers da mesma maneira que você!
- Felipe...
- Então você conhece aquele desgraçado!?

O homem pulou na minha direção, deixando a mulher sozinha. O jumper que era capaz de falar o derrubou no chão. A mulher olhou diretamente nos meus olhos com tanta intensidade que fui obrigado a olhar de volta. Olhos negros rosto sujo. Mas o brilho no olhar dela era ímpar.

- Não ouse atacá-lo de novo! – disse o infectado.
- E quem é você, monstro? – disse o homem no chão.
- Meu nome é Gilley. Soldado sobrevivente do exército dos renegados.
- Renegados? O quê? Escuta, cara, eu não vou entrar no carro com essas coisas dentro.
- Vocês podem nos acompanhar de fora do carro?
- Dependendo da velocidade, só com seu apoio.
- Como assim apoio? Eu não quero essas coisas perto da minha mulher!
- Então está resolvido. Mathew, você dirige até o mercado. Vocês nos acompanham e mantém vigilância para possíveis ameaças.
- Porra, você sabe demais. Quem é você? Onde é o seu lar?
- Meu nome é Roberto e eu não sei onde é o meu lar.
- Quero dizer, você deve ter vindo de algum lugar, não?
- Só fugi de um lugar a outro. Eu morava no Brasil antes disso tudo começar.
- Brasil? Então esse ataque veio do Brasil?
- Que ataque?
- Ataque ao mundo todo!
- O ataque a esse mundo não veio de lugar algum nesse mundo, mas de fora.
- Certo, então nossos inimigos são verdes e tem cabeções! São de marte!
- Homem ignorante. Não desperdiço mais um minuto te explicando qualquer coisa. Se você me levar até a sua colônia eu te garanto segurança. Se não te deixo para morrer.
- Faça o que ele diz, Mathew. Eu quero ver minha menina. Estou com saudades. Por favor.

O homem não estava disposto a aceitar, mas quando a filha foi mencionada ele mudou de expressão. Apesar de relutante aceitou a proposta e tomou a direção. A mulher se sentou no banco de trás, ele assumiu o volante e eu fui no banco de carona. Não sou um bom motorista, de qualquer maneira...
Passamos num mercado intacto. Só nesse momento que eu percebi a intensidade da minha fome. Por algum motivo a sensação não se revelou a mim até eu olhar para todos aqueles biscoitos e guloseimas.

- Não pode ordená-los a pegar o alimento para nós? – perguntou Louise
- Acho que sim. Vou ver.

Saí do carro e vi Gilley e os outros lutando contra dois jumpers. Venceram com facilidade e logo estavam diante de mim.

- O que foi aquilo?
- Jumpers dementados. Não possuem qualquer senhor e atacam a tudo o que encontram no caminho. Criaturas desprezíveis. Ainda mais do que nós somos.
- Entendo. Vocês podem reunir os mantimentos no porta-malas do carro?
- Mas senhor, nossa aura de morte não nos permite.
- De que aura vocês falam?

O infectado pareceu surpreso com o fato de que eu não sabia do que ele falava. Temi que ela percebesse que não sou o mestre real, mas ainda assim a curiosidade falou mais alto.

- Eu perdi grande parte das minhas memórias nesse corpo. Estou sem informações básicas. Fale da aura.
- Na verdade é a única palavra que encontramos, mas não se trata de nada extraordinário. Apenas a energia maldita que nos envolve e nos mantém nesse estado podre tem a propriedade de desnaturar compostos orgânicos. Se ficarmos por dois segundos perto de tais mantimentos já será o bastante para eles estragarem e só sobrar água a ser consumida.
- Então é como uma infecção?
- Parecido. Mas isso mata até os vermes e vírus mais resistentes. Isso na verdade mata tudo.
- Então porque não usam isso para matar inimigos?
- Não funciona com infectados e precisaríamos de alguns minutos para matar um ser humano por tais meios. Geralmente matamos insetos, pequenas plantas e estragamos comida com essa aura. Geralmente os animais fogem antes de serem prejudicados e os humanos morrem por golpes ou outras causas.

O homem saiu do carro e me olhou.

- Roberto, pode vir aqui?
- Sim, claro. Não poderemos usar os infectados...

Cheguei perto do carro e a mulher também saiu. Os dois ficaram próximos a mim

- Você não faz idéia do que essas coisas são, não é?
- Sei quase tanto quanto você. Apenas descobri recentemente que posso controlá-las.
- São conscientes. Porque deveríamos confiar neles?
- Estão sob meu comando.
- Como você pode saber?
- Eu sinto. Posso perceber a essência deles.
- Isso pra mim é balela. E ninguém vai deixar essas coisas entrarem na colônia.
- Quando chegarmos, veremos sobre isso.

De repente algo tomou conta de mim. Uma sensação poderosa de vida confrontando a minha morbidade. Uma sensação de amor, de felicidade. Veio com o vento se é que isso pode fazer algum sentido. Mas tal sensação não eliminou minha morbidade. Antes se combinou com aquela sensação de morte, tornando-se algo como morte feliz. Eu tenho consciência de como são ridículas essas definições, mas realmente não encontro melhores definições para o que trato. São coisas sobre as quais nunca li, nunca pensei. Coisas que eu realmente nunca senti, para as quais tenho que inventar nomes mirabolantes.
Ouvimos um grito de jumper distante. Eu o reconheci como o grito daquele gigante. Decidimos nos apressar para sair dali. Principalmente quando eu os informei que eu nada podia fazer contra aquilo que ouvimos.